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Samael ansiava o brilho da
Shekhinah que brilha da face de sua mãe. A mesma luz resplandecia dentro dele
mas fazia-se oculta sob o véu de sua ignorância. Quando ele amadureceu seu
desejo se transformou em suas partes inferiores. Ele sentia desejos mas
desconhecia a forma de sua luxúria. Vagou em sua solidão através do reino vazio
de sua própria criação.
Voltando-se sobre si mesmo buscou
seu reflexo no forno ardente de seu coração e o distorceu como o oleiro retorce
sua argila imitando a brilhante forma de Barbelo. Ele formou uma consorte como
a sua mãe com todos os ‘linimentos’ que surgiram de seu lado esquerdo. Seu nome
foi Lilith, ela a beleza que caminha vestida com as sombras da Lua.
Este é o Salmo da beleza de
Lilith. Oh meu amor, tu fostes erguida como a palma cuja fruta está madura. És
delgada como a cana do rio que inclina sua cabeça ao entardecer. Teus quadris
balançam com a graça da serpente que se desliza pela face das águas, e as águas
não a cobrem.
Embaixo do Sol, teu cabelo é
uma chama vivente tingida em telas com fios dourados. Embaixo da Lua teu cabelo
é um rio escuro que varre as estrelas. Teus peitos se levantam com tua
respiração como duas ovelhas que sobem uma ladeira. Embaixo do Sol teus olhos
são pombas brancas que revoam entre a fresca e verde sombra do cedro. Abaixo da
Lua teus olhos são peças de prata que se lançam e ocultam em profundidade de
obsidiana. Tua voz é como o salpicar de uma fonte no calor do meio-dia, e a
palidez de tuas bochechas um lugar de sombra no que se abrigam nas areias do
deserto. Refrescas meus lábios ardentes com o vinho de teus beijos. Apazíguas
minha fronte com suspiros das montanhas nevadas. Tuas coxas são pilares de
mármore que guardam a entrada ao Templo dos Mistérios, negro sob o Sol mas
branco sob a Lua. Com tua boca escarlate teu sorriso promete silenciosamente.
Baila para mim à luz da lua, Oh meu amor. Vem a minha cama quando as lâmpadas
ardem sedentas de azeite e os cachorros que guardam o umbral dormem. No altar
de teu útero eu ofereço meu sangue vital. Dança dentro de meus sonhos até que
eu ame dormindo mais que desperto, e aprenda a odiar o amanhecer.
A consorte era imperfeita
porque o criador estava incompleto. Em sua forma externa a beleza de Lilith era
como a da Primeira Mãe, mas interiormente estava vazia e insatisfeita. Um vazio
se abriu sob sua costela esquerda, a mesma cavidade que havia nas costas de
Samael. Ela desconhecia sua debilidade e creu ser a Rainha de toda a Criação,
porque isto foi o que Samael lhe disse quando a levou ao comprimento e largura
da terra e lhe mostrou seu reino.
Seu vazio gerou a luxúria e
a necessidade de ser preenchida, e a mesma luxúria se incendiou em Samael
quando ele olhou sua nudez. Ela abraçou o primeiro Arconte e foi transformada
em serpente igual que ele. Ouviu e aprendeu sabedoria. Samael é chamado a
Serpente Inclinada e Lilith a Serpente Tortuosa, porque ele cai sobre ela desde
os céus como o golpe de um relâmpago mas ela se eleva lentamente desde a terra
para recebe-lo como uma parreira trepadora.
Aonde suas partes se
encontraram surgiu uma poderosa agitação espiralando desde o firmamento como o
giro de uma imensa roda de moinho. Foi desse vórtice desta caótica massa
giratória que brotou um Dragão sem princípio nem fim. Suas escamas eram como
gotas de sangue, sua respiração era ardente. Os olhos da besta estavam fechados
formando fendas como os das serpentes que moram nas profundidades do Abismo.
Nem via o Sol de dia nem a Lua de noite.
Toda sua cega vontade estava
curvada ante o desejo. Estava enrolado sobre si mesmo três vezes e mediava
entre Samael e Lilith, nenhum deles podiam copular sem o outro diretamente
senão somente através dos anéis do verme cego. O Dragão Vermelho nasceu do
vórtice de sua vazia necessidade. Eles não poderiam completar-se salvo através
de sua substância.
Sozinho e separado Samael
permaneceu incompleto. A consorte, sua imagem nas chamas, compartilha seu
defeito. Juntos eram uma só carne. Do que carecia Samael o obtinha através de
Lilith. A cavidade nas costas de Lilith era preenchida por Samael. Somente
através da mediação do Verme Cego podiam eles completar-se entre si.
Quando Samael aprendeu sobre
a Natureza do Dragão começou a forçar seu interminável poder abordando pelos
caminhos de seu desejo. Ele uniu sua mente imperfeita com o fogo que ardia ao
longo da espinha do Verme e engendrou servos no faminto útero de Lilith. Com
uma luxuriosa loucura criadora ele os formou do calor combinado de suas partes
e os colocou em estações ao redor de seu reino. Cinco Reis fez e os colocou a
governar a profundidade do Abismo, e Sete Reis fez e os colocou na Sete Zonas
do Firmamento. Doze Autoridades colocou a intervalos ao redor do esplendor de
seu trono.
Ele infundiu em suas obras o
ardente calor de sua própria natureza, mas em sua ignorância ele permanecia
cego ante a pura luz de sua Mãe que morava dentro dele e era a fonte de seu
poder. O fogo acudiu e se mesclou com a obscuridade e se fez débil, mas a pura
luz permanecia dentro dele.
Samael saboreou o esplendor
de suas obras e tornou-se ébrio pela magnificência de sua criação. Nas alturas
do Céu e nas profundidades do Abismo ele via seu próprio domínio. Tudo o que
entrava sob seu escrutínio era sujeito para criar ou destruir. Ele não via
nenhum outro mundo. Não conhecia nada da luz de nuvem erigida por Barbelo para
ocultá-lo de seu santo consorte o Autogenito. Permaneceu ignorante do Espírito
perfeito e de sua fonte de luz-água que fluía eternamente.
Em sua loucura Samael
clamou. “Eu sou o único Deus, não há nenhum outro Deus junto a mim.”
Blasfemando desta maneira contra a glória do Bendito, permaneceu ignorante do
outro lugar de que ele havia vindo.
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